quarta-feira, 27 de junho de 2012

Trapo


Sou um objeto antigo
e completamente remendado.
Um boneco de pano encardido
munido de costuras que representam o passado.


Numa mão carrego uma agulha
e noutra uma linha.
A cada lembrança uma mão fura
e a outra traça, caminha.


Estou tão longe de ser perfeito
que dum jarro sou o caco;
sou linha torta feita sem jeito -
uma embalagem rasgada sem laço.


Se eu fosse uma bola
seria feita de meia.
Se eu fosse sapato seria a sola
formado por uma costura feia.


Todo remendado pareço trapo
um manequim marcado de dor;
um príncipe que sempre será sapo
amaldiçoado pelo pecado do amor.


Sou conferido de vários remendos
cada um com uma história.
Representam o mais nobre dos sentimentos:
aquele que dói quando fica só na memória.


Estou a me remendar:
costurando dando ponto,
acabando com qualquer conto,
cravando uma linha que não vai cicatrizar.


Imagine a dor da agulha na pele a cada ponto.
São tantos, você sabe.
Uma dor que em pano não se cabe
aumentando a cada marca que vou pondo.


Muito tolo quem pensa que sou acostumado.
Queria eu saber dá nó em lágrima,
e por ponto de cruz em amor passado.


Sou um trapo – eu não minto.
Sou de pano, por isso eu sinto.


Sou pano encardido que te sentes:
Posso te proteger do frio se na tua pele for posto.
Secar tuas lágrimas se colocado no teu rosto.
Fazer cócegas até ver teus dentes.


Ainda bem que sou remendado
costurando-me a cada dia.
Pois a cada nó herdado
Vejo que eu também sorria.


Sou trapo encardido,
Um fardo.
Que no fim diz todo dolorido:
como é bom ter amado.


Se dói tanto por que ainda amo?
Por que arriscar?
Simples, sou feito de pano
e sei costurar.


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