terça-feira, 16 de outubro de 2012

Vilões



Não dê uma segunda chance para vilões.

Malditos seres endiabrados.
Ricos de azar e pobres de sorte.
Contrastam-se na inocência do mocinho.
Que são agraciados com o ato heroico do improvável.

Vilões enjaulados.
Tanto planejamento.
Ás vezes por anos, décadas a fio.
Por vidas inteiras articulando de forma meticulosa.
Uma dedicação de monge amaldiçoado.

Às vezes regrados de sofrimento. Pecador.
Ausências. De sentimentos?
Já vi vilão sem mão.
Sem perna.
Sem olho.
Sem pais.

Do outro lado o mocinho.
Maculado de dó.
Que quer o que?
Uma mulher?
Um luxo?
Moço, mero mocinho.
Com metas tão pequenas.
Abençoado com a simples sorte.

Ora vilão. Tu que era merecido de dó -
triste fim tu terás.
Teus planos foram por água abaixo.

Enquanto o moço agora goza.
Através do simples prazer de ter o simples.
Fortuito ato adquirido.
Por vezes não merecido.
Contente por ser o lado bom da história.

Os bons vilões morrem.
Perdem-se no abismo do sempre.
Enquanto o mocinho tornar-se-á feliz.
Pra sempre.
Que sonho.

Aqui caberia o final de qualquer história.
Um resumo do destino –
esse grande quebra-cabeça regrado pelo pecado da sorte.
Ignorando o ser condenado desde menino.

O maior oponente do vilão não é o mocinho
Nem seus meros coadjuvantes.
A culpa é do escritor.
Que sabiamente não o dá uma segunda chance para o derrotado.

Nunca dê uma segunda chance para um vilão.

Os planos que outrora fracassaram, não vão mais falhar.
Regressará reerguido.
E não mais lamentará a falta de sorte.
Muito menos culpará o mocinho.
Que de tão pequenino
sumirá de seus planos.

Dê para o vilão um novo volume.
Um capítulo a mais,
ou apenas uma página no fim da prosa.
Uma frase em aberto:
deixas uma reticência...

E verás –
sonhos podem até se acabar,
mas planos só se adiam.

Desperte o vilão caído em você.
E mostre no retorno da morte,
Que nem a sorte
é párea para suas ambições.




sexta-feira, 20 de julho de 2012

Anjos


Somos anjos.
Vivemos a dar ode a tudo que nos cerca.
Sempre juntos.


Uns preferem os maciços corais.
Outros os puros duetos.


Uns ficam ao lado do que melhor canta aproveitando uma carona no tom.
Outros apenas cantam. 


Uns  preferem os que têm harpas melhores, asas maiores, e auréolas gigantes.
Outros apenas improvisam.


Uns olham as partituras dos outros com desdenho.
Outros apenas sentem-se orgulhosos com o que tem.


Uns movimentam só os lábios por timidez.
Outros apenas têm fé em si.


Uns cantam a discórdia, a desinteligência a intriga e a inveja.
Outros apenas cantam o amor.


Uns são amigos.
Outros apenas são companheiros, camaradas, confidentes e parceiros.


Uns são anjos e cairão algum dia.
Outros são mais que anjos, e não os deixarão cair.



segunda-feira, 9 de julho de 2012

Sorvete



A melhor sobremesa?
É o sorvete.
Sorvete de que?
Não importa. Sendo o maior que tem, será a melhor sobremesa.
Pode ser abacaxi, goiaba, mangaba ou maracujá – nunca provei dessas frutas.
Dê-me uma bola gigante.
Aproveitarei ao máximo essa sobremesa. Nunca se sabe quando tomarei de novo.



O melhor sentimento?
É o amor.
Amor por quem?
Não importa. Sendo o maior que tem, será o melhor sentimento.
Perdoar, se arrepender, fazer loucuras – nunca pensei em fazer dessas coisas.
Dê-me um amor enorme.
Aproveitarei ao máximo esse sentimento. Nunca se sabe quando amarei de novo.



E é assim que faço:
amor gigante que não cabe em nenhum casco.
Tomarei desse sentimento até não aguentar mais.
Aproveitarei cada segundo sem desperdiçar nada.
Mesmo sabendo que vai derreter.

E vai derretendo...

...amor que escorre...

 ...enquanto eu lambo os dedos.

Raspo a taça,

e suspiro agradecido: como esse sentimento quente tem gosto gelado.



O que eu ganho com isso?

Um sopro frio num dia de verão;

um doce pra amenizar o sal da vida;

o fim da sede que todos sentem...



...ou uma tremenda gripe. 


quarta-feira, 27 de junho de 2012

Trapo


Sou um objeto antigo
e completamente remendado.
Um boneco de pano encardido
munido de costuras que representam o passado.


Numa mão carrego uma agulha
e noutra uma linha.
A cada lembrança uma mão fura
e a outra traça, caminha.


Estou tão longe de ser perfeito
que dum jarro sou o caco;
sou linha torta feita sem jeito -
uma embalagem rasgada sem laço.


Se eu fosse uma bola
seria feita de meia.
Se eu fosse sapato seria a sola
formado por uma costura feia.


Todo remendado pareço trapo
um manequim marcado de dor;
um príncipe que sempre será sapo
amaldiçoado pelo pecado do amor.


Sou conferido de vários remendos
cada um com uma história.
Representam o mais nobre dos sentimentos:
aquele que dói quando fica só na memória.


Estou a me remendar:
costurando dando ponto,
acabando com qualquer conto,
cravando uma linha que não vai cicatrizar.


Imagine a dor da agulha na pele a cada ponto.
São tantos, você sabe.
Uma dor que em pano não se cabe
aumentando a cada marca que vou pondo.


Muito tolo quem pensa que sou acostumado.
Queria eu saber dá nó em lágrima,
e por ponto de cruz em amor passado.


Sou um trapo – eu não minto.
Sou de pano, por isso eu sinto.


Sou pano encardido que te sentes:
Posso te proteger do frio se na tua pele for posto.
Secar tuas lágrimas se colocado no teu rosto.
Fazer cócegas até ver teus dentes.


Ainda bem que sou remendado
costurando-me a cada dia.
Pois a cada nó herdado
Vejo que eu também sorria.


Sou trapo encardido,
Um fardo.
Que no fim diz todo dolorido:
como é bom ter amado.


Se dói tanto por que ainda amo?
Por que arriscar?
Simples, sou feito de pano
e sei costurar.


segunda-feira, 25 de junho de 2012

Vazio



Uma vela se derrete.


Um café se esfria.


Um charuto se apaga.

Uma luz se queima.

Duram até se acabar. E se acabam. Até se for duro.

E é duro, difícil.

Já vejo o fundo do meu copo. O refresco está se acabando.

E vai se acabar.

Vazio vai ficando.

Sangrando...

Gota a gota.

Gotinhas.

E eu vou me lembrar:

Da chama que dança em vermelho e azul - nós dois.

Do aroma que encanta - o melhor cheiro do mundo.

Das cinzas que trilharam o caminho - irregulares.

Da luz que me faz olhar pra cima - minha esperança.

Do gosto que ficará eternizado em minha boca - o refresco da minha vida.

E então meus olhos poderão finalmente secar...

...para o meu copo se encher de novo.








domingo, 17 de junho de 2012

Boneca



Estou a pensar: quem é você?


Teu rosto está tão lindo - teus olhos amendoados; tuas maçãs do rosto: são maçãs mesmo. Teu rosto está pintado. Mas não posso tocá-lo para não borrar nada.


Tua boca brilha em muitos tons - ela é viva em cor de sangue. Lábios vermelhos. Mas não posso beijá-la para não retirar o batom.


Teus cabelos lindos e negros - são infinitos. Lisos. Não posso senti-los para não desmanchar o penteado.


Tuas mãos tão delicadas - são quadros pintados e moldurados sob tuas unhas. Belas. Não posso ser descuidado - as unhas foram cuidadosamente pintadas ainda agora.


O tecido que usas dar-te forma - te desenha em incontáveis dimensões. Um pecado. Não posso abraçá-la verdadeiramente, pois pode tornar visível alguma parte quente.


Não posso, não posso e não posso. Fico imóvel.


É ai que encostas em mim e sinto-te gelada.


Tu estás tão fria. Teu suor é gelado. Fica preocupada com o que os outros vão pensar ao te olhar e acaba não se sentindo. 


Perdestes a identidade. Tua singularidade. 


Agora digo: o que é você?


És uma boneca. 


Apenas.


Mais uma.


Boneca.






terça-feira, 12 de junho de 2012

Azul-sereia


E então munido de sementinhas, eu comecei a preparar o solo do meu jardim para depositar ali o que todos dizem ser a mais bela flor do mundo. É muito difícil cultivá-la. Então coloquei as pequeninas sementes no solo e esperei.

O solo tem que ser úmido na medida certa; a temperatura ambiente também. A luz incidida diretamente sob o vegetal tem que adequada: a planta tem que nascer em uma posição milimetricamente planejada. Já estava tudo pronto.

E então fiquei lá esperando ela crescer. Dias depois a planta já havia crescido bastante, embora o broto da flor ainda não tivesse germinado.

E os dias se passaram mais e mais.

Vieram chuvas, ventanias, seca, frio e escuridões e insolações. Mas protegi-a suficientemente bem.

E então sob a bela luz de um amanhecer reparei que um broto havia aparecido e já dava para ver aquela linda cor azul.

No frio da noite, sendo banhada romanticamente pela luz da lua, consegui ver aquela linda flor - florescida. Era linda. Aquele tom de azul misturava céu e mar. Seu cheiro era como se nos trouxesse o conforto do nosso berço. Sua forma era angelical.

E então me afastei um pouco mais para admirar aquela beleza única quando de repente um rapaz passa por perto e arranca aquela flor do meu jardim. Eu já estava em fúria enquanto me dirigia a ele quando vi que ele colhera a flor para presentear uma linda jovem que estava a sua espera. Ela ficou tão feliz em recebê-la que meu semblante mudou. Fiquei feliz também.

Descobri que o amor é isso mesmo. O amor se transfere. 

Queres amar verdadeiramente? Faça-o se mover. Amor inerte não é amor.

Faça um lindo gesto de amor: presenteie. Torne concreto essa troca de sentimento. Um abraço, um beijo, um carinho: o amor em sua pura forma de transferência. O amor não pára. Ele está sempre fluindo para onde é bem-vindo. E ele fluirá novamente. 

E é fazendo esse amor dançar que você vai deixar de ser apenas mais um para se tornar, enfim: dois. Azul-sereia.




sexta-feira, 8 de junho de 2012

Palhaço



Eu sou Arlequim.
Eu amo por sorrisos – e não precisa de muitos.
Aliás, de muitos já me bastam os corações de todas as minhas Columbinas.
Faço questão de tê-los 
por não possuir um próprio.
Cada Columbina com sua cor.

Descrevem-me como palhaço, bobo – o lado bom da palavra.
Se bem que às vezes ajo como tal.
É aí que está a graça:
eu posso ser o que eu quiser.

Sou pintado de capacidades -
vou do lorde inglês ao pobre lacaio.
O sapo que vira príncipe.

Carrego numa mão uma rosa e noutra uma faca.
Com a rosa faço marejar os olhos de uma jovem.
E com uma faca posso espetar seu coração.
Sempre desse jeito.
Diferente de outros Pierrôs por aí
que trocam a faca pela rosa.
Buscam o amor através de ameaças,
e ferem por palavras tortas de amor.

Orgulho-me de ser palhaço.
Desses únicos que ninguém vê por aí.
Sempre confundindo quem tenta entender meus truques.
Se me descrever em vermelho -
sou azul.
Se me pintam de amarelo:
dou-lhes o verde.
Se me chamas de camaleão -
eu te mostro uma infinita aquarela.

Então você, preto e branco,
pinte sua boca antes de falar de mim.
Palhaço comum todo mundo pode ser,
seguindo um roteiro qualquer: 
a platéia só irá rir ou sentir pena.

Já eu faço diferente.
Pois sou o único palhaço que atua hoje 
para no futuro eu dar risada
do que já fora um dia o meu próprio espetáculo de cores.





quarta-feira, 6 de junho de 2012

Medusa


Ah, Medusa.
Quanto mais te dou atenção,
mais tu me transforma em pedra.


Pedra suja e fria.
que em breve virará carne novamente.
Através da incoerência de amar de novo
quem sempre quer te transformar em retrato.


Fechar os olhos nada adianta, pois
ainda tenho prazer de te enxergar.


O que me resta é empunhar uma lâmina
e cortar a cabeça -
não a tua, mas a minha.
Para que tu te lembres do teu passado
e eu esqueça do meu.



Gênio


Ao achar uma lâmpada dourada no chão semi-soterrada fiz o de praxe: esfreguei-a. E então depois de luzes, explosões e sons de trombeta, eis que surge uma figura mística, mágica - um figura genial. E me disse:


Eu sou o gênio,
prazer: sou Eugênio.


Não fiquei muito empolgado - talvez uma atitude à parte do que o gênio costumava ver. Então ele falou de novo:


Vim te conceber três pedidos:
não é um, nem dois,
apenas me diga quem sois
para que eu não fique tão perdido.


Eu não disse nada... Mas ele logo indagou novamente:


Vejo que és um mortal,
homem, normal...
usual.
Tão silencioso, és do mal?
Calado assim, não tens moral.


Balancei a cabeça negativamente. E continuou:


Mas não vim para te julgar.
Mesmo sabendo que estas a pecar
não é a mim que tens que rezar,
implorar, 
se sacrificar,
se martirizar.


Balancei a cabeça afirmativamente. E ele prosseguiu:


Então me digas, queres riqueza?
Que tal ser da realeza?
Um pouco mais de beleza?
Quer que eu te tire alguma fraqueza?
Ou só queres que eu te sirva uma boa mesa?


Fiz uma cara de que nenhuma dessas sugestões teria sido do meu agrado. Então ele disse:


Me fale, homem, largue desse pudor.
Tu podes não querer nada, mas com certeza queres amor.
Daqueles sem dor.
Só flor.


Fiz uma expressão de talvez. Até concordei. E ele falou:


Vamos meu caro, fale comigo.
Posso não ser seu amigo,
mas sou o ego do homem
que não move o olho do seu próprio umbigo.


Dessa vez não fiz nenhum sinal de resposta. Logo ele amaciou o tom de voz e disse:


Por favor, deixas eu te conceber pelo menos um desejo.
Aproveita o ensejo.
Não queres nem um queijo?
Um beijo? ='(


Suspirei e eu lhe disse:


Olha seu gênio, o que quero cabe num verso.
Não é beleza nem riqueza.
É apenas a busca de uma certeza.
Dá-me uma nave para eu cruzar o universo.


E ele, antes de indagar o por quê, eu tomei a frente: 


E a propósito, olhas que no fim é tu quem me pede.
Não é que eu não goste de dinheiro e amor.
É que eu prefiro assim, uma pitada de ironia de leve.
Pois no fim, claro, o humano sempre desejou.

Já estou no terceiro verso, não sou mentiroso.
Sou inconstante sim, e muitas vezes não planejo.
Mas vejas o quanto eu te disse de valioso,
até te clamar apenas um desejo.

Se eu tivesse feito logo o pedido
talvez no futuro eu não o quisesse mais.
Eu estaria sem ter traçado um caminho e arrependido
sem poder colher a paz.



O gênio agora estava sério, mas aparentemente concordara com tudo que eu havia lhe dito. E então ele disse:



Para que a nave?
Posso saber?
Queres voar que nem ave?
Ou queres o céu conhecer?



Então eu sorri e lhe disse:


Vou atrás do meu caminho
Vou voar, ser livre
distante de qualquer ninho.

Que me venham amores,
dores,
Não quero limites
Quero que tu, gênio, me imites.

Quero realizar pedido,
por vezes ser atendido -
Assim, sem mágica.

De magia só quero do amor,
Por favor.

Então me dê o espaço
que irei me desatar de qualquer laço.
Eu sou quem gira meu compasso.
Sou eu que faço.
Volte para lâmpada Eugênio, um abraço.