quinta-feira, 1 de março de 2012

Rufino

Continuação do texto Cachorros .



                 Alfredo se movia lentamente em volta da árvore do parquinho. “Eu sabia!” pensou ele ao ver um lagarto que ele vinha farejando desde o túnel de pneus. Alfredo tinha adquirido grande progresso em seu tratamento para o problema de vista e já estava se adaptando as novas atividades que lhe era imposto. Quando Alfredo se moveu um pouco mais o lagarto fugiu como um raio – o dono do canil se aproximou de Alfredo e o chamava para dentro: “Vem Alfredo! Vem! Você vai ser adotado!”. Lá na porta estava uma mulher, Aline que aguardava ansiosamente pelo primeiro contato com o cachorrinho. Ela o pegou no colo e começou a falar em tons estranhos, acariciando sua barriga – mas que bela barriga, hein Alfredo? – e apertando-o contra o corpo dela. Alfredo finalmente tinha sido adotado. Ele recebeu uma coleirinha e saiu de lá com ela a pé mesmo. Ela morava bem próximo. Mas para Alfredo: que mundo era aquele. Tantos odores diferentes.

                Ao chegar a casa Alfredo achou tudo novo. Com bastante curiosidade explorou todos os cantos. Era tudo maravilhosamente estranho.  Ele percebeu que apesar de todo carinho que ele recebia, tinha algo diferente. Ela não o chamava de Alfredo e sim de Rufino. Rufino? Era estranho, mas ele se adaptou. Em duas semanas de convívio, Rufino.. ops digo – Alfredo – percebeu que Aline estava sempre a chorar. Ele então ficou próximo dela e ela segurava uma foto de dois cachorros. Ela olhou para Alfredo e disse: “Rufino, esses eram meus maiores amores: Rufus e Brigite. Eles fariam 10 anos hoje. Quando me mudei pra cá tive que separá-los. O Rufus não agüentou de saudades e ficou muito doente. A Brigite quando retornou e percebeu que Rufus não estava mais entre nós ela também adoeceu.” E continuou a chorar. Alfredo então foi para o seu cantinho e ficou recolhido o resto daquela noite.

Brigite e Rufus
                Quando Aline acordou no dia seguinte e colocou os pés no chão ela deu um grito. Ela viu todos os seus sapatos mordidos e esfacelados no chão. Ao olhar perto da porta ela viu tanta urina no chão que mais parecia de um carnavalesco cervejeiro. Ela saiu do quarto e viu na cozinha que dentro da pia tinha caquinha de cachorro – muita caquinha. Ela já estava vermelha de ódio quando viu sua geladeira aberta e a bandeja de frios vazia jogada ao chão. Ela foi para a sala e viu seu conjunto novo de sofás fulminados por dentes. Os sofás eram pretos e agora pareciam uns enormes algodões doces. Quando ela olhou para a porta tava Alfredo com a língua de fora, sentado e olhando para ela. Então Aline respirou profundamente e esbravejou: “RUFINO SEU FILHO DE UMA CADELA!”.

O dono do canil varria tranquilamente a calçada do canil quando viu Alfredo sozinho caminhando de volta para o canil. Assustado ele correu para dentro para dar um telefonema a Aline. Alfredo foi até sua jaulinha e lá ele guardava um potinho de rações de Linda que continha: um lacinho sujo; uma bolinha cheia das marcas dos dentinhos dela; um ossinho que ela tinha se engasgado; e um tufo de pelinhos que caíra dela quando ela teve carrapatos. Ele então deu uma bela fungada nesse potinho e saiu correndo até a porta aberta do canil e lá parou.

Alfredo tinha realizado o maior feito da sua vida até então. Ele descobriu que quando buscamos um sonho e alcançamos não significa que isso representa um fim. É apenas um começo de muitos outros: são escolhas que geram mais escolhas. Esse é o sentido da vida – seguir e sentir. Muitos não entenderiam Alfredo. Mas agora ele tem escolhas. Tudo foi feito para que ele se preparasse para novas decisões. Ele pode ficar no canil e esperar por Linda, correndo o risco de ser adotado novamente. Ou ir atrás de Linda – sem rumo, sem direção. Talvez o faro de Alfredo não esteja tão apurado assim: Linda tá muito longe. Além do mais o que será que Linda sente? Será que ela está feliz? Será que ela ainda se chama Linda mesmo? Alfredo é Alfredo mesmo. Ele não seria apenas um mero substituto de Rufus e Brigite. A prova disso foi o quão rápido Aline o dispensou. Era a única forma de Alfredo sair dali. Ele não queria correr o risco de ficar doente novamente. E Linda jamais o acharia se ele fosse o Rufino.

 As pessoas poderiam achar o que foi feito por Alfredo uma tremenda cachorrada. Mas veja só: cachorrada é só ruim no sentido humano. Alfredo é cachorro mesmo. Ele tem que fazer o que sente. Mesmo sem fazer sentido para ninguém.

Alfredo com muitas dúvidas, mas com uma certeza: medo de tentar jamais.

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