sexta-feira, 30 de março de 2012

Gelatina


Como minha boca sente saudades da gelatina de framboesa.
Ela não era tudo, mas já era o bastante para servir uma boa mesa.
Depois de saboreá-la eu sentia uma tremenda moleza.
Se eu gastasse todo meu dinheiro seria com sobremesa
valeria a pena, mas eu acabaria ficando sempre na dureza.


Dessa gelatina só existe uma: tem gosto de princesa.
Antes de prová-la  tem que tratá-la com delicadeza.
Quando posta na boca tem gosto de paixão e a língua dança com leveza.
E é no ápice que não se sabe se é calor ou frieza.
Tremendo-se toda - delícia - só se tem uma certeza:
Mais que beleza!


Doce safadeza.


quinta-feira, 29 de março de 2012

Dualidades


E é assim como quando o compasso inicia uma volta, eu tenho a certeza que não saberei separar o início do final. Como algo de tanto contraste se misturou tanto? Assim como eu e você. Talvez seja por isso que existam tantas dualidades: o amor e o ódio; o julgamento e o perdão; a posse e o desapego... São pólos tão diferentes, mas que outrora nos uniram de um jeito tão semelhante.

Até dizem que os oposto se atraem - seja lá qual dificuldade houver. Talvez. Só sei que difícil mesmo é criar uma força que os separe. Essa força não existe. Não de uma vez.

Força que se acumula aos poucos - vai mostrando que devagar poderá haver repulsa.

E vai mostrando...

Que o infinito começa a ter fim; que o para sempre pára; que a persistência agora descansa...

Não me cansei de dar murro em ponta de faca. Apenas feriu o bastante para que eu não pudesse mais bater em nada. A dedicação sempre existirá. Só para mim.

A força aumenta e mostra que há como se separar - como se fossem grandes e pesados ímãs. Ao ponto que quando se separarem por completo, se espatifarão no chão. E nunca mais se unirão novamente. Apenas alguns pedaços de memórias irão exercer alguma força. Bem fraca.

Uma forte união se tornará uma forte repulsão. Que dualidade. Que fatalidade.

Mas a vida sempre será assim: no mínimo irônica.

Uma luz bem forte lhe faz não enxergar nada.

Um som com uma frequência bem alta lhe faz não escutar nada.

Uma dor é tão grande que lhe faz não sentir nada.

Um amor de opostos não lhe deixa enxergar nem escutar nada. Apenas sentir. E muito.

Sinto muito.

domingo, 25 de março de 2012

Notas



Não falarei em fantasmas.










Tome nota: 










do que falarei a seguir?










É claro que é de amor.










Como me notas?










De "o" passei a ser "vocês".










Qual a minha nota? 










Sou nota zero no salto ornamental. Só mergulhando no escuro.










Qual o valor da minha nota? 










Uma nota de cem - só que rasgada.










Falar em nota posso até falar de vinho.










Ponha-o na boca e procure a nota mais doce... 










Quero saber a cor, o aroma, a textura e a suavidade. 










Por isso perco tanto tempo com você na minha boca.










Posso até falar de quanto o meu passado tem valor...










...e ainda caminha comigo. 










Como uma nota fiscal.










Mas falarei de sete.










Não são as sete maravilhas do mundo...










...nem os sete pecados capitais.










São as sete notas musicais -










si, mi, fá, sol, dó, lá e ré – 










...fora de ordem mesmo. 










As notas musicais em certos arranjos podem fazer os mais maravilhosos sons que podemos ouvir... 










...e os piores também.










Então... 










Não sou maestro...










...por isso desafino tanto.










Na verdade sou um músico incompetente...










...que teima em não trocar de melodias...










...e sente saudades do velho dueto.










Para mim teria que ser assim...










...e não carreira solo.










Pois uma música precisa de um ouvinte...










...assim como o violão precisa de cordas...










...um piano de dedos...










...uma flauta de sopro...










...e eu de você.










Minha vida tem tua trilha sonora...










...feita de notas certas e erradas...










Que se sobrepõe a todas as outras músicas.










Não sei se devo rearranjar as notas.










Eu teria que parar completamente a música..










Não escutas? 










Acho que eu queria ser surdo também.










Mas ela ainda esta tocando...










...ainda te toca?










Pois anote essa última nota:










nossa música nunca parou...



...ela apenas oscila de volume.


sexta-feira, 23 de março de 2012

Descrição



É para te descrever?


Hum, vejamos...


...você é um magnífico quebra-cabeça - com um monte de peças faltando...


...ou talvez um magnífico livro sem final. Não é?


...para mim tu és um monte de borboletas lindas, mas tão pequeninas que passam pelas frestas da minha rede. 


...uma criança com medo de provar o sorvete mais gostoso do mundo. 


...um estupendo pico de montanha que ninguém chegará lá.


Tenho que ser mais claro?


...um belo chafariz sem água.


...um grande copo com um furo no final.


...um óculos sem lente?


...ou até uma mãe sem filho.


Resumindo:


...você não é oito... 


...nem oitenta...


...muito menos oitocentos. 


...para mim és oito deitado. Ao meu lado.


Entendeu?


Os outros te descreveriam como indecifrável.


Para mim é simples -


tu és uma louca...


...que eu poderia descrever-te comparando a tudo. Pois és tudo... para mim.

segunda-feira, 19 de março de 2012

Mudança


Sabe aquela plantinha pequenininha? Nem com o vento ela balança. Nem som faz. A gente pisa e nem percebe. Ela é apenas uma mudinha. 


Mas quem diria? A muda cresce. Ela foi feita para crescer, por mais que ninguém levasse fé nela. Ela muda. E olha que já fizeram de tudo: adubo, fertilizantes, clima ideal. Não adiantou. Só não sabiam que planta tem tempo pra crescer. Não é da noite pro dia. Mas ela mudou. Ela cresce. Obrigado por todo o material investido.


Faça chuva ou faça sol a muda vai mudar. Espera aí? É exatamente disso que ela precisa para crescer.


Agora ela se balança com o vento e suas folhinhas fazem som - mas olha só, a muda quer falar, quem já viu uma muda falar? E ela fala: ainda amo você.


A muda mudou: do carotenóide da paixão para a clorofila da esperança. 


Não importa o quanto a muda cresça ou o quanto ela mude - a espécie ainda é a mesma - caristas eternum



A muda muda mudou.

domingo, 18 de março de 2012

Gestos


Se a alma pudesse falar ela se comunicaria em gestos. 

Esse é o idioma do seu interior. 

Verdadeiros gestos são valiosos por exprimirem o amor e o afeto em uma via de mão única.

Gestos não são remédios do passado nem muito menos escudos para o futuro. São essenciais no agora sendo assim - um presente.

Então quando fores agraciado com um gesto apenas aceite-o. Não se pergunte o que mudará, o que será daqui para frente, o que deverias fazer... Não existe dicionário para essa língua.

Antes de entendê-lo. Sinta-o.

E aproveite o gesto...

...e o gosto de fazer bem que ele tem.

Arrependimento



Faraó rico e maldito
levou todo o seu ouro pra cova.
Igual ao canibal nativo
que do inimigo devorou até a sola.


Europeu mas que escroto
fez do mar sua privada.
Transformou o norte em esgoto
e o Brasil em piada.


Cristão seu herege -
sempre vivendo em contradição.
Punindo quem não o inveje
desejando ao próximo a danação.


Astronauta seu porco insensível
que rumo ao espaço vai reto.
Transformando comida em combustível
criando mendigos, miseráveis e sem-teto.


Ninguém tem culpa de nada
tudo tem sua hora para acontecer.
O mundo não é um conto de fada
e muita coisa não tem como prever.


Para escrever eu não tinha motivo
nem muito menos paciência.
Hoje não sou o que eu queria ter sido -
só escrevendo do amor com inocência.


Se ao longo de todo o tempo
a humanidade vários erros cometeu.
Talvez algum dia eu assim escrevendo tanto
me envergonhe do meu próprio museu.


No momento estou quase ficando louco
brincando de trocar respiração em asma.
Agora eu personifico cachorro,
e quero até ressuscitar fantasma.

...

sábado, 17 de março de 2012

Fantasma







Eu quero lhes confessar uma coisa. 







Eu sou perseguido por um fantasma. 







Ele me segue já faz algum tempo... 







...e está presente na maioria dos lugares que estou. 







Assim que eu acordo escuto barulhos na minha casa...







...e vejo vultos. 







Corro depressa para um lugar protegido – 







como dentro do meu armário ou embaixo da minha cama. 







Como sou tolo! É ali que eles costumam habitar. 







Então saio depressa e ligo a televisão...







...ou o som em volume bem alto. 







Mas esse tipo de fantasma é diferente – 







muitos filmes e músicas apenas reforçam... 







...sua presença. 







Então eu corro em direção a rua e vou para um lugar público...







...ou coisa do tipo.







Eu pareço meio desconfiado e de repente... 







...vejo a face do fantasma em muitos rostos. 







Encaram-me como se fossem drenar minha alma... 







...pelos olhos. 







Eu...







...veja bem, eu...







...poderia contar para meus amigos sobre esse fantasma. 







Mas todos diriam a mesma coisa...







...de sempre: 







"É coisa da sua cabeça, logo sumirá." 







Até parece... 







...que eles já viveram isso!







Mas é a noite...







ah, e se é...







...bem na noite...







...que o fantasma mais aparece. 







Principalmente quando estou no meu quarto...







...escrevendo. 







É como se ele estivesse ali atrás de mim. 







É de arrepiar. 







E quando vou deitar...







...lá está:







o fantasma. 







Assombrando meu sono...







...e devorando meus sonhos. 







Mas...







...no fim das contas...







...tsc tsc...







...eu não tenho medo dele. 







O que me assusta...







 ...é estar acostumado... 







...a conviver com ele.





...

quinta-feira, 15 de março de 2012

Casa



No meu quarto os lençóis da minha cama ainda desenham teu corpo.


No meu banheiro tua toalha ainda se encontra molhada.


Teu vestido ainda está fora do armário - pronto para ser usado.


Na minha cozinha teu copo ainda está com a do teu batom.


Do fogão se sente o cheiro da sua comida preferida. 


No balcão a fruta ainda está marcada com teus dentes.


Na minha sala a televisão ainda está no seu canal favorito.


No meu som é o teu CD pronto para ser ouvido.


As minhas almofadas estão jogadas no sofá  do jeito que você gosta.


Na varanda o cheiro doce da sobremesa se confunde com o teu perfume.


No meu jardim a tua rosa ainda cresce.


E na mesa... teu lugar ainda está guardado.


Eu não sei se vou conseguir o sonho da casa própria algum dia. 


Ela parece mais tua do que minha.

Nessa casa, de meu, só tem o endereço. Na verdade sou visita.

domingo, 11 de março de 2012

Elixir



Em algum lugar do mundo existe uma garrafa com um líquido. Um elixir. 

Nele estão combinados todos os efeitos positivos do universo em uma química perfeita em forma de solução - solução dos seus problemas. Se pudesse descrevê-la eu diria que: é a ressurreição da alma de quem não se foi; é a concepção do que já nasceu; é a transformação do ser imutável. É o elixir que dá uma vida ao que já é vivo - oferece sentido. Se interessou?

Eis a fórmula:

Algumas gotas de água milagrosa. Algumas colheradas de fonte da juventude misturados com a cura de todas as doenças. Uma pitada de todos os seus sonhos de criança. Duas doses de realizações. Uma xícara de sorrisos de todos que te amam. Um pouco do seu néctar preferido. Três colheres de paixão... tá certo! Vou colocar mais uma. A sua garrafa é feita de ferro derretido - obtido através das chaves do seu paraíso. Ele é misturado no ritmo que vibra a nota dó de uma doce flauta doce - pelo tempo que dura um hino ancestral.

Tá pronto!

Agora imagine: 

se esse elixir existisse... você iria atrás? Mesmo estando muito distante? Algum lugar que te garantissem que você nunca alcançaria. Mesmo com essas afirmações... você ainda iria?

se você o encontrasse... você usaria? Será que é de beber ou de passar na pele... O gosto é bom? Será que queima? Mesmo com essas dúvidas... você usaria?

e se fosse de beber... o quanto você beberia? Talvez pouco não seja o suficiente... ou muito cause um efeito adverso. Mesmo assim... beberias?

e se ele não te garantisse nada... você arriscaria? Poderia ser só água em garrafa velha. Uma verdadeira perda de tempo. Mesmo podendo ser falso... acreditarias?

Seria tão bom ter instruções de como usá-lo. É seria.

Mas não tem. Vai arriscar? Eu arrisco.

Eu posso estar cometendo um grande erro na minha vida. Pelo menos no futuro terei como saber se fiz a coisa certa ou não - ai sim terei minhas instruções.

Enquanto isso vou me dedicar. A buscá-lo, a tê-lo, a bebê-lo. Sem me importar.

Nunca desista do seu Elixir.

Chuva


Um dia desses me perguntei –
por que eu gosto tanto de chuva?
Não sei se é o barulho ou o clima.
Talvez a capacidade de fazer crescer uma muda.

Num dia de pingos
tendemos sempre a nos recolher.
E é assim que cresce o afeto
da pele fria que se faz aquecer.

Quando a chuva passa
só resta a saudade.
A falta do carinho e do repouso
uma espécie de prova da felicidade.

A chuva é a saudade em forma d’água
onde mar em nuvem se transforma.
Para mim em litros se é medida,
e se posto num copo, transborda.

Pois certo que a chuva sempre se vai,
eu queria ter ficado mais juntinho.
Mas a chuva anda junto do vento,
forte como o que derruba um ninho.

Sabe o que mais gosto da chuva?
É que eu não mais a espero chegar.
Eu vou atrás dela onde estiver
Ou peço ao índio que me ensine a dançar.

A cada pingo que tocar ao solo
eu, em você, sempre pensarei.
Pois que venham todos os pingos do mundo!
Mesmo que da natureza eu mude a lei.

Mas agora me sinto tão bem
mesmo eles me chamando de abestalhado:
se pros outros eu deveria usar um guarda-chuva,
prefiro estar assim – de você, bem ensopado.

Me deixa resfriado, gripado. Me deixa do teu lado.

terça-feira, 6 de março de 2012

Aquarela


...e se fosse azul. Do tom que escurece à medida que o mar se aprofunda. O fim onde o homem gostaria de ir.

...e se fosse preto. Da cor do espaço que expande sem fim. O infinito onde o homem nunca vai alcançar.

...e se fosse amarelo. Que reluz ao ponto que o ouro ganha forma. O homem sempre irá ostentar.

...e se fosse verde. Do broto que floresce em direção ao sol. O homem se preocupa, mas derruba.

...e se fosse branco. Tonalidade da pureza e da saúde. Não há cura se não houver doença.

...e se fosse vermelho. Cor do sentimento. Nunca dará para dominá-lo.

Se me dessem uma aquarela nos meus quadros eu só pintaria você. 

Eu iria ao profundo do mar te buscar o azul. Ao Infinito do espaço só para dar-te o preto. Compraria todo o ouro do mundo para te dar o amarelo. Semearia uma floresta para te pintar de verde. Promoveria a cura ao incurável só para ter o branco. Faria derramar meu sangue para doar-te o vermelho.

O homem pode não chegar, nunca ir, se exibir, contradizer, desequilibrar ou sofrer... 

...eu apenas não sei pintar.

Por isso não há quadro teu.

domingo, 4 de março de 2012

Dança


Eu queria falar de dança - 

a arte que através do movimento se faz falar.
Nesse contexto sou tão gago,
mas admiro quem consegue dialogar.


É algo que requer sincronismo,
assim como rima precisa de beleza.
As vezes é tão par como se olhar no espelho -
é ver dois virar um com certeza.


O casal quando junta numa dança
exibe um momento mágico à mim.
Não é na empolgação dos primeiros passos
e sim no momento em que a trilha chega ao fim.


Durante o baile da vida
tive uma longa música para dançar contigo.
Eu era bem desajeitado
e seu pé sempre corria perigo.


Se a música repetisse eu treinaria
me aprimorando para não errar.
Porém a vida é um baile sem treino.
E eu pequei por ter medo de girar.


Agora que a música termina
vejo que com ela se vai a esperança.
É quando o corpo pára e descola,
as mãos ainda juntas exibem o fim da dança.


Pois num canto hoje eu admiro:
você se mover - linda - a sentir.
Mas agora é com outro par,
e de fora só me resta aplaudir.


Eu não me vejo mais a dançar
no momento eu sou mudo.
Se falar é a dança numa música -
escrever é como dançando com você eu me iludo.

Imagino a dança e escrevo seus passos.