Era uma tarde ensolarada, linda e calma. Eu caminhava numa pequena praça à chutar folhas caídas enquanto pensava em coisas aleatórias. Quando me deparei no centro da praça com uma estátua. Sem ter algo melhor para fazer eu fixei os olhos nela e comecei a analisá-la. Era uma estátua de uma mulher com olhos fechados, com pouca expressão facial. Tinha uma pele que parecia gélida. Mas é claro que era: é uma estátua. Aos pés dela tinha uma placa com o dizer: "A mais bela estátua da cidade.". Que conversa! Como uma estátua dessas pode ser bela?. Fiquei ali mais um tempo. Essa estátua tinha me intrigado. Quero ser capaz de ver essa beleza que todo mundo diz.
Me lembrei que quando eu era criança meu avô me contou - sempre que olhar fixamente para uma estátua poderás ver ela se movendo, você vê a alma dela. Foi isso que fiz. Me concentrei nela e passei bons minutos analisando-a. Imaginei como seria os olhos dela abertos a olhar para mim; como seria seu sorriso, se seria verdadeiro ou não; imaginei até como seria seu amor; mas principalmente imaginei como seria seu calor - seu toque. Quando me dei conta eu notei que possuía um sentimento muito forte por aquela estátua. Eu estava apaixonado por ela. Então pensei: preciso conquistá-la. Fui até um jardim ao lado, sem tirar os olhos dela. Peguei algumas tulipas, uns cravos e uns ramos. Fiz um bonito arranjo. Já era o fim da tarde. Enquanto voltava para perto da estátua vi que ela reluzia a luz do meio-sol. Sua pele tornara de cinza a vinho. Imaginei o calor dela. Quando cheguei próximo percebi: é só uma estátua. Coloquei o arranjo em uma sua mão direita e fiquei esperando um sorriso. Nada.
Peguei alguns papéis que tinha no bolso e uma caneta amassada e resolvi escrever. Escrever para ela. Escrevi coisas lindas, belas, puras... mas determinado momento percebi que a única fonte de luz naquela hora era um poste de luz em curto. A lua se escondia em meio a nuvens carregadas. Naquele momento fazia muito frio. Continuei a escrever enquanto me tremia todo. Eu já estava escrevendo em linhas tortas. Será que ela vai entender? Olhei para ela e senti inveja: eu queria ser fria que nem você para não sentir frio. Horas depois terminei de escrever. Deixei os escritos que falavam de amor enrolados na sua mão esquerda. Esperei atenciosamente para ver o que ela achava. Nada. Nem um movimento. Foi então que surgiu uma ventania enorme e junto com ela uma tremenda tempestade. A chuva estava punindo tudo que tivesse desprotegido. Todas as minhas folhas voaram da mão dela. Se perderam na escuridão para sempre. Eu fiquei estático olhando para a estátua com cara de incrédulo. Fiz com tanto carinho para ser jogado na lama. Aproveitei a chuva para escorrer algumas lágrimas. Foi muita chuva. Escorreu muito.
Depois de longo tempo a chuva cessa. As nuvens vão embora e com ela a escuridão também se vai. Já começa a amanhecer. E a estátua ali parada. De olhos fechados. Eu já estava sentado pois não aguentava mais ficar em pé, mas me mantinha próximo a ela. Foi então que junto com o cansaço veio o delírio, e eu clamei de olhos fechados: o que estou fazendo aqui? Porque ainda não desisti? Então que quando abri os olhos eu vi: a luz do sol que nascia por trás da estátua a iluminava desenhando uma silhueta angelical; o reflexo da luz solar em um pequeno chafariz fazia com que a estátua brilhasse como cristal; passarinhos pousados no seu ombro cantarolavam suavemente em ode ao novo dia que nascia; o próprio sol brilhava por trás de sua cabeça fazendo sua face se tornar escura, os olhos fechados, a boca sem sorriso, criavam uma ilusão de um rosto fictício que meus olhos semi-fechados, devido a claridade, enxergavam; as sombras de todas as folhas se moviam com a brisa fazendo seu corpo ganhar movimento.
Ela é linda, eu percebi. Mas não só isso. Naquele momento percebi que a beleza daquela estátua estava inserida em um contexto que não me continha. Eu não pertencia àquele lugar nem àquela beleza. Ela não era para mim. Agora eu sei que realmente não posso mas fazer nada. Me levantei devagar, já esvaído de energias. Caminhei para próximo a ela. Peguei algumas pétalas solitárias que ainda ela segurava. Observei e pensei: meu desejo de mudá-la é em vão. Sendo assim, peguei um pedacinho de papel molhado ao chão e escrevi três palavras e o colei na estátua - mesmo sabendo que quando secar ele vai voar.
Olhei pros olhos dela uma última vez. Estavam fechados. Ela não mudou. Então me virei e caminhei cabisbaixo. Devagar. Enquanto desviava de pequenas pocinhas percebi que não queria ir embora. Mas era necessário. Quando dei um passo mais longo eu escutei um barulho. Então parei. Era ela. A estátua se mexeu. Finalmente. Sabe o que fiz? Continuei de costas. Não olhei para trás. E andei. Fui embora. Apenas sendo como uma criança - imaginando como ela seria. Estátua.
Prisão de rocha. É a alma petrificada. A beleza existe, mas não é para mim.