quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Estátua

Era uma tarde ensolarada, linda e calma. Eu caminhava numa pequena praça à chutar folhas caídas enquanto pensava em coisas aleatórias. Quando me deparei no centro da praça com uma estátua. Sem ter algo melhor para fazer eu fixei os olhos nela e comecei a analisá-la. Era uma estátua de uma mulher com olhos fechados, com pouca expressão facial. Tinha uma pele que parecia gélida. Mas é claro que era: é uma estátua. Aos pés dela tinha uma placa com o dizer: "A mais bela estátua da cidade.". Que conversa! Como uma estátua dessas pode ser bela?. Fiquei ali mais um tempo. Essa estátua tinha me intrigado. Quero ser capaz de ver essa beleza que todo mundo diz.

Me lembrei que quando eu era criança meu avô me contou - sempre que olhar fixamente para uma estátua poderás ver ela se movendo, você vê a alma dela. Foi isso que fiz. Me concentrei nela e passei bons minutos analisando-a. Imaginei como seria os olhos dela abertos a olhar para mim; como seria seu sorriso, se seria verdadeiro ou não; imaginei até como seria seu amor; mas principalmente imaginei como seria seu calor - seu toque. Quando me dei conta eu notei que possuía um sentimento muito forte por aquela estátua. Eu estava apaixonado por ela. Então pensei: preciso conquistá-la. Fui até um jardim ao lado, sem tirar os olhos dela. Peguei algumas tulipas, uns cravos e uns ramos. Fiz um bonito arranjo. Já era o fim da tarde. Enquanto voltava para perto da estátua vi que ela reluzia a luz do meio-sol. Sua pele tornara de cinza a vinho. Imaginei o calor dela. Quando cheguei próximo percebi: é só uma estátua. Coloquei o arranjo em uma sua mão direita e fiquei esperando um sorriso. Nada.

Peguei alguns papéis que tinha no bolso e uma caneta amassada e resolvi escrever. Escrever para ela. Escrevi coisas lindas, belas, puras... mas determinado momento percebi que a única fonte de luz naquela hora era um poste de luz em curto. A lua se escondia em meio a nuvens carregadas. Naquele momento fazia muito frio. Continuei a escrever enquanto me tremia todo. Eu já estava escrevendo em linhas tortas. Será que ela vai entender? Olhei para ela e senti inveja: eu queria ser fria que nem você para não sentir frio. Horas depois terminei de escrever. Deixei os escritos que falavam de amor enrolados na sua mão esquerda. Esperei atenciosamente para ver o que ela achava. Nada. Nem um movimento. Foi então que surgiu uma ventania enorme e junto com ela uma tremenda tempestade. A chuva estava punindo tudo que tivesse desprotegido. Todas as minhas folhas voaram da mão dela. Se perderam na escuridão para sempre. Eu fiquei estático olhando para a estátua com cara de incrédulo. Fiz com tanto carinho para ser jogado na lama. Aproveitei a chuva para escorrer algumas lágrimas. Foi muita chuva. Escorreu muito.

Depois de longo tempo a chuva cessa. As nuvens vão embora e com ela a escuridão também se vai. Já começa a amanhecer. E a estátua ali parada. De olhos fechados. Eu já estava sentado pois não aguentava mais ficar em pé, mas me mantinha próximo a ela. Foi então que junto com o cansaço veio o delírio, e eu clamei de olhos fechados: o que estou fazendo aqui? Porque ainda não desisti? Então que quando abri os olhos eu vi: a luz do sol que nascia por trás da estátua a iluminava desenhando uma silhueta angelical; o reflexo da luz solar em um pequeno chafariz fazia com que a estátua brilhasse como cristal; passarinhos pousados no seu ombro cantarolavam suavemente em ode ao novo dia que nascia; o próprio sol brilhava por trás de sua cabeça fazendo sua face se tornar escura, os olhos fechados, a boca sem sorriso, criavam uma ilusão de um rosto fictício que meus olhos semi-fechados, devido a claridade, enxergavam; as sombras de todas as folhas se moviam com a brisa fazendo seu corpo ganhar movimento. 

Ela é linda, eu percebi. Mas não só isso. Naquele momento percebi que a beleza daquela estátua estava inserida em um contexto que não me continha. Eu não pertencia àquele lugar nem àquela beleza. Ela não era para mim. Agora eu sei que realmente não posso mas fazer nada. Me levantei devagar, já esvaído de energias. Caminhei para próximo a ela. Peguei algumas pétalas solitárias que ainda ela segurava. Observei e pensei: meu desejo de mudá-la é em vão. Sendo assim, peguei um pedacinho de papel molhado ao chão e escrevi três palavras e o colei na estátua - mesmo sabendo que quando secar ele vai voar.

Olhei pros olhos dela uma última vez. Estavam fechados. Ela não mudou. Então me virei e caminhei cabisbaixo. Devagar. Enquanto desviava de pequenas pocinhas percebi que não queria ir embora. Mas era necessário. Quando dei um passo mais longo eu escutei um barulho. Então parei. Era ela. A estátua se mexeu. Finalmente. Sabe o que fiz? Continuei de costas. Não olhei para trás. E andei. Fui embora. Apenas sendo como uma criança - imaginando como ela seria. Estátua.


Prisão de rocha. É a alma petrificada. A beleza existe, mas não é para mim.

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Biu


Eu tenho um passarinho. Coloquei o nome dele de Biu. Ele apareceu na minha janela com uma asinha quebrada. Eu alimento ele com um conta-gotas e o deixo quentinho o dia todo. Eu sei que ele nunca mais vai voltar a voar, mas mesmo assim me dedico bastante.

Eu nunca vou desistir de você.

Nunca.

Elos

É impossível, infinito e inimaginável.

...é tão impossível como entender um cachorro. Alfredo o que estais fazendo?

...é um livro manchado de café numa história cheia de reticências

...é o céu do religioso – é o meu paraíso. Inalcançável em vida.

...é sempre dormir sem ela, sonhar com ela e acordar sem ela. É sofrer por ser sonhador e saber que seu maior sonho não se alcança estando acordado.

...é uma volta tão distante, mas tão distante que é mais fácil ligar o início com o final.

... é buscar uma força que você só pode encontrar em si mesmo. É usá-la para o lado errado.

... é sempre fazer de um adeus definitivo, um motivo para recomeçar. É persistir por mais tarde que seja.

... é ser entrevistado por si mesmo todos os dias. "Você esta fazendo a coisa certa?"

... é encontrar a melhor rima e não poder rimá-la. Rimar eu com você.

É juntar tudo como se fosse uma corrente encontrando sempre uma ligação que me leve a você. São formados elos em todos os contextos da minha vida. É infinito, cíclico e profundo. É ter a responsabilidade de possuir o maior amor do mundo e ter que carregá-lo sozinho.

É impossível dizer que é impossível. Felizmente.

Livro



Cara editora,


você se lembra de mim? Escrevi um livro romântico a muito tempo atrás com você e criamos uma gigantesca obra romântica que daria uma bela novela. Pensávamos que ia ser um tremendo sucesso de vendas, mas ficamos mais imaginando do que enxergando o que realmente ocorria. Nossa obra foi muito criticada pelo público, mas de alguma forma fez muito sucesso. Até hoje conheço pessoas que adoram revirar aquela obra - pena que de maneira negativa. Acho que um dos principais motivos foram as últimas edições que publicamos que manchou toda a obra inicial.

Porém pensando agora creio que nossa obra foi uma péssima ideia. Talvez ter insistido em fazer tantas edições novas, querendo mudar aqueles erros todos sem alterar a história de fato, fora o nosso maior pecado. Éramos pra ter suspendido as vendas logo quando começaram aqueles problemas todos. Mas ao mesmo tempo entendo que quando eu escrevia e você revisava a gente se envolvia na história ao ponto de passar por cima de muitos erros. Era impossível pra gente abandonar aquele livro assim. Foram tantas edições. Tantas oportunidades para mudar. Do que adianta - o título continuou o mesmo. O livro entrou em falência, pois eu não tinha mais criatividade para escrever e você já estava cansada de uma publicação sem retorno. Admito que também me cansei, mas você compreende né? Fiquei muito apegado à obra.

Assim, eu me repaginei, sabe? Estou disposto mesmo a abandonar essa velha obra e partir para uma nova. Até mudei minha forma de escrever. Entendo que você não deve levar fé, afinal é muito difícil um escritor mudar de gênero. E entendo também que, com o fracasso da nossa última obra, você perdeu muito tempo e retorno. Ficaste sem poder publicar algo novo que pudesse até ser bem aceito pelo público e te desse mais retorno. Gostaria de começar um novo livro: talvez com um pouco mais de ação. Não sei ainda. Só sei que não quero novas edições daquele livro antigo. Talvez algum dia possamos trabalhar juntos novamente. Estou mesmo disposto a criar um best-seller com você.


Att. O escritor.

Não quero ser lembrado por uma obra. Quero ser lembrado pela minha melhor obra. Vamos escrever?

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Rimas


Eu vou fazer um negócio
que não gosto de fazer.
Você pode pensar que é ócio,
mas já sabe o que vai ser.


Por que fazer o que não gosto
e não o que me dá prazer?
Já que aqui sou eu que posto
faço o que bem entender.


Estou em tempo de descobertas
e aprendendo a fazer de tudo.
Nem sempre em linhas certas:
é assim que estou vendo o mundo.


Aprendi que devemos fazer esforço
pra ver de novo alguém sorrindo.
Enquanto o meu por enquanto é esboço
o teu ainda é o mais lindo.


Nem sempre só oito beijos basta
para conquistar uma pessoa.
Assim como um dente não vive só de pasta
não podemos viver só de lagoa.


A vida é um imenso mundo
que pra dar uma volta é só dançar lambada.
Pois até que dure um segundo
quero está com você no fim da estrada.


Se persistir em um erro é burrice
ainda bem que tolo Deus me fez.
Pois quero provar sem malandrice
que o erro pode se tornar certo de vez.


Vou tentar até algo que me jogue ao chão
ou que me reduza.
Seria exagero? Não,
mas eu te entendo Cazuza.


Nesse meu novo momento
vejo que preciso muito mudar.
Não como um vento violento
e sim, fino, como uma brisa no mar.


A melhor forma de fazer isso
é sempre olhando para dentro.
Buscando quase como um feitiço
maneiras de transformar o tormento.


Então é ai que vejo
que dentro de mim uma coisa só encontro:
com vontade, com desejo
um homem querendo estar pronto.


Sei que é como acreditar em velhinho e coelho
que algum dia eu possa me ver.
Eu teria que engolir um espelho,
pois quanto mais olho pra mim, mais vejo você.


Tempos de crescimento. Por mais adversa que seja a estação.

sábado, 4 de fevereiro de 2012

Distância

Você já se perguntou qual é a maior distância do mundo? 


Talvez esteja lá no cosmo esperando para ser descoberta. Quem gostaria de saber? Um cientista talvez. 


A verdade é que a maior distância do mundo pode ser interpretada de várias maneiras – sempre dependendo de quem vê. 


Afinal, a maior distância do mundo pode ser de muitos quilômetros: na fé do índio que roga para lua. 


Para um marinheiro a maior distância do mundo é de um oceano - sempre atenuada através de uma velha foto. 


Pode ser entre vários estados: o caminhoneiro que sempre ao fim de um percurso inicia outro. 


Ou entre dois estados – o matuto desiludido que não sabe se vai voltar. 


A maior distância do mundo é entre cidades vizinhas para aquelas duas crianças que não irão mais brincar juntas todas as tardes. 


Os bairros parecem se distanciar cada vez mais para um casal apaixonado em um telefone. 


A maior distância do mundo sem dúvidas é a da padaria ao final da esquina no início da preguiça.


É a da vizinha que teima em não sair de casa.


A maior distância do mundo são dois bancos de igreja; três carteiras à frente; ou uma poltrona do cinema. 


São dois metros de terra que esconde um ente. 


A maior distância do mundo é de um tapete de bem-vindo onde o pai se despede do filho à porta. 


É de um pedaço fino de vidro que separa a mãe do bebê.


É do coração de um incrédulo das ações de Deus.


Se você perguntar para mim: qual a maior distância do mundo? Eu lhe digo que francamente eu sei. 


A maior distância do mundo está no caminhar entre duas pessoas sem sincronismo. Quando duas pessoas andam de modo e sentido diferentes se cria um imenso abismo. É a quebra da mais doce melodia; a engrenagem pára; é o distanciamento de almas - por mais gêmeas que fossem.


Não há ritmo. Não há cadência. Não há padrão. Não há mais nada. E nada é a maior distância do mundo. 


A maior distância do mundo é compreendida entre dois “andares”.